“Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: ‘Quando vocês forem anunciar o Reino, não devem levar dinheiro nem comida, mas devem confiar no povo. Chegando a um lugar, se vocês forem acolhidos, e o povo partilhar comida e casa com vocês, e se vocês participarem da vida deles trabalhando e tratando dos doentes e do pessoal marginalizado, sem voz nem vez, então podem dizer ao povo com toda a certeza: Gente! Gente! O Reino chegou! Está chegando!’. E eles foram. Jesus também foi. Andou, andou. Já era quase noite. Estava começando a escurecer, quando chegou a um terreiro. O pessoal que entrava, saudava e dizia: ‘Boa Noite Jesus! Entre e sinta-se em casa. Participe com a gente’. Jesus entrou. Viu o pessoal reunido. A maioria era pobre. Alguns, não muitos, da classe média. Todo mundo dançando, alegre. Havia muita criança no meio. Viu como todos eles se abraçavam entre si. Viu como os brancos eram acolhidos pelos negros como irmãos. Jesus, ele também, foi sendo acolhido e abraçado. Estranhou, pois conheciam o nome dele. Eles o chamavam de Jesus, como se fosse amigo e irmão de longa data. Gostou de ser acolhido assim. Viu também, como a mãe-de-santo recebia o abraço de todos e como ela retribuía, acolhendo a todos. Viu como invocavam os orixás e como alguns vinham distribuindo passes para ajudar os aflitos, os doentes e os necessitados. Jesus também entrou na fila e foi até a mãe-de-santo. Quando chegou a vez dele, abraçou-a, e ela disse: ‘A paz esteja com você, Jesus’. Jesus respondeu: ‘Com a senhora também’. E acrescentou: ‘Posso fazer uma pergunta?’. E ela disse: ‘Pois não, Jesus!’. E ele disse: ‘Como é que a senhora me conhece? Como é que eles sabem o meu nome?’ E ela disse: ‘Mas, Jesus, aqui todo mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa, aqui, no meio de nós’. Jesus olhou para ela e disse: ‘Muito obrigado!’. E continuou: ‘Mãe, estou gostando, pois o Reino de Deus já está aqui no meio de vocês!’. Ela olhou para ele e disse: ‘Muito obrigada, Jesus! Mas isso a gente já sabia. Ou melhor, já adivinhava! Obrigado por confirmar a gente. Você deve ter um orixá muito bom. Vamos dançar, para que ele venha nos ajudar!’. E Jesus entrou na dança. Dentro dele, o coração pulava de alegria. Sentia uma felicidade imensa e dizia baixinho: ‘Pai, eu te agradeço, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes ao povo humilde aqui do terreiro. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!’. Dançou um tempão. No fim, comeu pipoca, cocada e batata assada com óleo de dendê, que o pessoal partilhava com ele. E, dentro dele, o coração repetia, sem cessar: ‘Sim, o Reino de Deus chegou! Pai, eu te agradeço! Assim foi do teu agrado!’.” *Trecho do texto base do 9 Encontro Intereclesial de CEBS. Este texto é do biblista Frei Carlos Mesters, considerado um dos maiores especialistas em Bíblia do país. O objetivo do texto é ilustrar um capítulo do texto base em que o biblista discorre sobre a relação entre Jesus e “o povo”. A atitude de Jesus na Bíblia é “estar em todo canto”, principalmente com as pessoas mais pobres. “Para Jesus, quem não é contra ele é a favor, independente do credo”. Mesters afirma que quis “provocar um pouquinho”, para que as pessoas percebam que há “coisas muito boas” nas religiões afro-brasileiras, como o “humanismo, a acolhida aos pobres, a luta para melhorar as condições de vida e a importância da mulher”. As CEBs dão uma especial atenção para as religiões afro-brasileiras. As comunidades são compostas, em sua maior parte, por mulheres, que não têm simpatia pela hierarquia da Igreja Católica, formada apenas por homens. O exemplo dos terreiros de candomblé, em que as mães-de-santo são as maiores expressões religiosas, é sempre citado nos debates sobre a possibilidade de ordenação de mulheres. O biblista afirma que seu texto pode provocar polêmica, mas “nada comparável à polêmica causada pelas coisas que Jesus fez no tempo dele”.